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segunda-feira, janeiro 26, 2015

Novas descobertas sobre a morte de Eduardo Campos

O que já se sabe sobre o voo que matou Eduardo Campos


© REUTERS/Paulo Whitaker Local onde caiu o avião que levava o candidato à presidência Eduardo Campos
São Paulo – A Aeronáutica divulgou hoje informações sobre a investigação do acidente que matou o ex-candidato à presidência da República Eduardo Campos. A aeronave caiu em Santos em agosto de 2014, e matou sete pessoas.
Segundo os dados divulgados pelo Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), foram descartadas as possibilidades de colisão com aves, veículos não tripulados (Vants) ou outros objetos no ar. Também foi descartada a possibilidade de incêndio no avião antes da queda.
De acordo com a apresentação, a aeronave tentou pousar e arremeteu. Porém, depois não há mais contato da aeronave sobre nova tentativa de pouso. Logo depois, ocorreu o acidente. Outra informação é que o trajeto feito pela aeronave é diferente do que estava previsto para pouso no aeroporto de Santos.
Segundo o tenente-coronel Raul de Souza, que coordenou as investigações, os destroços mostram que o trem de pouso estava recolhido, e que o jatinho não caiu de cabeça para baixo, como chegou a ser levantado.
As investigações mostraram ainda que a aeronave estava em alta velocidade no momento do acidente e com grau de inclinação de 38 graus – segundo o tenente-coronel, uma aeronave se aproxima para pouso com uma inclinação de 3 a 4 graus.
Outra informação importante recolhida nas investigações é de que piloto e co-piloto não tinham habilitação específica para operar a aeronave que caiu, mas sim de um modelo semelhante anterior.
Os investigadores afirmam que mais importante do que saber se os pilotos tinham habilitação formal é entender se eles tinham condições de operar naquela aeronave. Essas questões ainda serão analisadas.
Os investigadores ressaltam que ainda não foi feita a análise das informações coletadas e que, portanto, ainda não há conclusões sobre o acidente. 

domingo, janeiro 18, 2015

O fuzilamento de Marco na Indonésia

Fonte: DCM

O perfil de Marco Archer por um jornalista que conversou com ele 4 dias na prisão

Nos bons tempos
Nos bons tempos
O reporter Renan Antunes de Oliveira entrevistou Marco Archer em 2005, numa prisão na Indonésia. Abaixo, seu relato:
O carioca Marco Archer Cardoso Moreira viveu 17 anos em Ipanema, 25 traficando drogas pelo mundo e 11 em cadeias da Indonésia, até morrer fuzilado, aos 53, neste sábado (17), por sentença da Justiça deste país muçulmano.
Durante quatro dias de entrevista em Tangerang, em 2005, ele se abriu para mim: “Sou traficante, traficante e traficante, só traficante”.
Demonstrou até uma ponta de orgulho: “Nunca tive um emprego diferente na vida”. Contou que tomou “todo tipo de droga que existe”.
Naquela hora estava desafiante, parecia acreditar que conseguiria reverter a sentença de morte.
Marco sabia as regras do país quando foi preso no aeroporto da capital Jakarta, em 2003, com 13,4 quilos de cocaína escondidos dentro dos tubos de sua asa delta. Ele morou na ilha indonésia de Bali por 15 anos, falava bem a língua bahasa e sentiu que a parada seria dura.
Tanto sabia que fugiu do flagrante. Mas acabou recapturado 15 dias depois, quando tentava escapar para o Timor do Leste. Foi processado, condenado, se disse arrependido. Pediu clemência através de Lula, Dilma, Anistia Internacional e até do papa Francisco, sem sucesso. O fuzilamento como punição para crimes é apoiado por quase 70% do povo de lá.
Na mídia brasileira, Marco foi alternadamente apresentado como “um garoto carioca” (apesar dos 42 anos no momento da prisão), ou “instrutor de asa delta”, neste caso um hobby transformado na profissão que ele nunca exerceu.
Para Rodrigo Muxfeldt Gularte, 42, o outro brasileiro condenado por tráfico, que espera fuzilamento para fevereiro, companheiro de cela dele em Tangerang, “Marco teve uma vida que merece ser filmada”.
Rodrigo até ofereceu um roteiro sobre o amigo à cineasta curitibana Laurinha Dalcanale, exaltando: “Ele fez coisas extraordinárias, incríveis.”
O repórter pediu um exemplo: “Viajou pelo mundo todo, teve um monte de mulheres, foi nos lugares mais finos, comeu nos melhores restaurantes, tudo só no glamour, nunca usou uma arma, o cara é demais.”
Para amigos em liberdade que trabalharam para soltá-lo, o que aconteceu teria sido “apenas um erro” do qual ele estaria arrependido.
Em 2005, logo depois de receber a sentença de morte num tribunal em Jacarta
Em 2005, logo depois de receber a sentença de morte num tribunal em Jacarta
Na versão mais nobre, seria a tentativa desesperada de obter dinheiro para pagar uma conta de hospital pendurada em Cingapura – Marco estaria preocupado em não deixar o nome sujo naquele país. A conta derivou de uma longa temporada no hospital depois de um acidente de asa delta. Ter sobrevivido deu a ele, segundo os amigos, um incrível sentimento de invulnerabilidade.
Ele jamais se livrou das sequelas. Cheio de pinos nas pernas, andava com dificuldade, o que não o impediu de fugir espetacularmente no aeroporto quando os policiais descobriram cocaína em sua asa delta.
Arriscou tudo ali. Um alerta de bomba reforçara a vigilância no aeroporto. Ele chegou a pensar em largar no aeroporto a cocaína que transportava e ir embora, mas decidiu correr o risco.
Com sua ficha corrida, a campanha pela sua liberdade nunca decolou das redes sociais. A mãe dele, dona Carolina, conseguiu o apoio inicial de Fernando Gabeira, na Câmara Federal, com voto contra de Jair Bolsonaro.
O Itamaraty e a presidência se mexeram cada vez que alguma câmera de TV foi ligada, mesmo sabendo da inutilidade do esforço.
Mesmo aparentemente confiante, ele deixava transparecer que tudo seria inútil, porque falava sempre no passado, em tom resignado: “Não posso me queixar da vida que levei”.
Marco me contou que começou no tráfico ainda na adolescência, diretamente com os cartéis colombianos, levando coca de Medellín para o Rio de Janeiro. Adulto, era um dos capos de Bali, onde conquistou fama de um sujeito carismático e bem humorado.
A paradisíaca Bali é um dos principais mercados de cocaína do mundo graças a turistas ocidentais ricos que vão lá em busca de uma vida hedonista: praias deslumbrantes, droga fácil, farta — e cara.
O quilo da coca nos países produtores, como Peru e Bolívia, custa 1 000 dólares. No Brasil, cerca de 5 000. Em Bali, a mesma coca é negociada a preços que variam entre 20 000 e 90 000 dólares, dependendo da oferta. Numa temporada de escassez, por conta da prisão de vários traficantes, o quilo chegou a 300 000 dólares.
Por ser um dos destinos prediletos de surfistas e praticantes de asa delta, e pela possibilidade de lucros fabulosos, Bali atrai traficantes como Marco. Eles se passam por pessoas em busca de grandes ondas, e costumam carregar o contrabando no interior das pranchas de surf e das asas deltas. Archer foi pego assim. Tinha à mão, sempre que desembarcava nos aeroportos, um álbum de fotos que o mostrava voando, o que de fato fazia.
O homem preso por narcotráfico passou a maior parte da entrevista comigo chapado. O consumo de drogas em Tangerang era uma banalidade.
Pirado, Marco fazia planos mirabolantes – como encomendar de um amigo carioca uma nova asa, para quando saísse da cadeia.
Nos momentos de consciência, mostrava que estava focado na grande batalha: “Vou fazer de tudo para sair vivo desta”.
Marco era um traficante tarimbado: “Nunca fiz nada na vida, exceto viver do tráfico.” Gabava-se de não ter servido ao Exército, nem pagar imposto de renda. Nunca teve talão de cheques e ironizava da única vez numa urna: “Minha mãe me pediu para votar no Fernando Collor”.
A cocaína que ele levava na asa tinha sido comprada em Iquitos, no Peru, por 8 mil dólares o quilo, bancada por um traficante norte-americano, com quem dividiria os lucros se a operação tivesse dado certo: a cotação da época da mercadoria em Bali era de 3,5 milhões de dólares.
Marco me contou, às gargalhadas, sua “épica jornada” com a asa cheia de drogas pelos rios da Amazônia, misturado com inocentes turistas americanos. “Nenhum suspeitou”. Enfim chegou a Manaus, de onde embarcou para Jakarta: “Sair do Brasil foi moleza, nossa fiscalização era uma piada”.
O momento em que ele recebeu a confirmação da data do fuzilamento
O momento em que ele recebeu, nesta semana, a confirmação da data do fuzilamento
Na chegada, com certeza ele viu no aeroporto indonésio um enorme cartaz avisando: “Hukuman berta bagi pembana narkotik’’, a política nacional de punir severamente o narcotráfico.
“Ora, em todo lugar do mundo existem leis para serem quebradas”, me disse, mostrando sua peculiar maneira de ver as coisas: “Se eu fosse respeitar leis nunca teria vivido o que vivi”.
Ele desafiou o repórter: “Você não faria a mesma coisa pelos 3,5 milhões de dólares”?
Para ele, o dinheiro valia o risco: “A venda em Bali iria me deixar bem de vida para sempre” – na ocasião, ele não falou em contas hospitalares penduradas.
Marco parecia exagerar no número de vezes que cruzou fronteiras pelo mundo como mula de drogas: “Fiz mais de mil gols”. Com o dinheiro fácil manteve apartamentos em Bali, Hawai e Holanda, sempre abertos aos amigos: “Nunca me perguntaram de onde vinha o dinheiro pras nossas baladas”.
Marco guardava na cadeia uma pasta preta com fotos de lindas mulheres, carrões e dos apartamentos luxuosos, que seriam aqueles onde ele supostamente teria vivido no auge da carreira de traficante.
Num de seus giros pelo mundo ele fez um cursinho de chef na Suíça, o que foi de utilidade em Tangerang. Às vezes, cozinhava para o comandante da cadeia, em troca de regalias.
Eu o vi servindo salmão, arroz à piemontesa e leite achocolatado com castanhas para sobremesa. O fornecedor dos alimentos era Dênis, um ex-preso tornado amigão, que trazia os suprimentos fresquinhos do supermercado Hypermart.
Marco queria contar como era esta vida “fantástica” e se preparou para botar um diário na internet. Queria contratar um videomaker para acompanhar seus dias. Negociava exclusividade na cobertura jornalística, queria escrever um livro com sua experiência – o que mais tarde aconteceu, pela pena de um jornalista de São Paulo. Um amigo prepara um documentário em vídeo para eternizá-lo.
Foi um dos personagens de destaque de um bestseller da jornalista australiana Kathryn Bonella sobre a vida glamurosa dos traficantes em Bali — orgias, modelos ávidas por festas e drogas depois de sessões de fotos, mansões cinematográficas.
Diplomatas se mexeram nos bastidores para tentar comprar uma saída honrosa para Marco. Usaram desde a ajuda brasileira às vítimas do tsunami até oferta de incremento no comércio, sem sucesso. Os indonésios fecharam o balcão de negócios.
As execuções são assim
As execuções são assim
O assessor internacional de Dilma, Marco Aurélio Garcia, disse que o fuzilamento deixa “uma sombra” nas relações bilaterais, mas na lateral deles o pessoal não tá nem aí.
A mãe dele, dona Carolina, funcionária pública estadual no Rio, se empenhou enquanto deu para livrar o ‘garotão’ da enrascada, até morrer de câncer, em 2010.
As visitas dela em Tangerang eram uma festa para o staff da prisão, pra quem dava dinheiro e presentes, na tentativa de aliviar a barra para o filhão.
Com este empurrão da mamãe Marco reinou em Tangerang, nos primeiros anos – até ser transferido para outras cadeias, à espera da execução.
Eu o vi sendo atendido por presos pobres que lhe serviam de garçons, pedicures, faxineiros. Sua cela tinha TV, vídeo, som, ventilador, bonsais e, melhor ainda, portas abertas para um jardim onde ele mantinha peixes num laguinho. Quando ia lá, dona Carola dormia na cama do filho.
Marco bebia cerveja geladinha fornecida por chefões locais que estavam noutro pavilhão. Namorava uma bonita presa conhecida por Dragão de Komodo. Como ela vinha da ala feminina, os dois usavam a sala do comandante para se encontrar.
A namorada
A namorada
A malandragem carioca ajudou enquanto ele teve dinheiro. Ele fazia sua parte esbanjando bom humor. Por todos os relatos de diplomatas, familiares e jornalistas que o viram na cadeia de tempos em tempos, Marco, apelidado Curumim em Ipanema, sempre se mostrou para cima. E mantinha a forma malhando muito.
Para ele, a balada era permanente. Nos últimos anos teve várias mordomias, como celular e até acesso à internet, onde postou algumas cenas.
Um clip dele circulou nos últimos dias – sempre sereno, dizendo-se arrependido, pedindo a segunda chance: “Acho que não mereço ser fuzilado”.
Marco chegou ao último dia de vida com boa aparência, pelo menos conforme as imagens exibidas no Jornal Hoje, da Globo. Mas tinha perdido quase todos os dentes em sua temporada na prisão, como relatou a jornalista e escritora australiana. No Facebook, ela disse guardar boas recordações de Archer, e criticou a “barbárie” do fuzilamento.
Numa gravação por telefone, ele ainda dava conselhos aos mais jovens, avisando que drogas só podem levar à morte ou à prisão.
Sua voz estava firme, parecia esperar um milagre, mesmo faltando apenas 120 minutos pra enfrentar o pelotão de fuzilamento – a se confirmar, deixou esta vida com o bom humor intacto, resignado.
Sabe-se que ele pediu uma garrafa de uísque Chivas Regal na última refeição e que uma tia teria lhe levado um pote de doce-de-leite.
O arrependimento manifestado nas últimas horas pode ser o reflexo de 11 anos encarcerado. Afinal, as pessoas mudam. Ou pode ter sido encenação. Só ele poderia responder.
Para mim, o homem só disse que estava arrependido de uma única coisa: de ter embalado mal a droga, permitindo a descoberta pela polícia no aeroporto.
“Tava tudo pronto pra ser a viagem da minha vida”, começou, ao relatar seu infortúnio.
Foi assim: no desembarque em Jakarta, meteu o equipamento no raio x. A asa dele tinha cinco tubos, três de alumínio e dois de carbono. Este é mais rijo e impermeável aos raios: “Meu mundo caiu por causa de um guardinha desgraçado”, reclamou.
“O cara perguntou ‘por que a foto do tubo saía preta’? Eu respondi que era da natureza do carbono. Aí ele puxou um canivete, bateu no alumínio, fez tim tim, bateu no carbono, fez tom tom”.
O som revelou que o tubo estava carregado, encerrando a bem-sucedida carreira de 25 anos no narcotráfico.
Marco ainda conseguiu dar um drible nos guardas. Enquanto eles buscavam as ferramentas, ele se esgueirou para fora do aeroporto, pegou um prosaico táxi e sumiu. Depois de 15 dias pulando de ilha em ilha no arquipélago indonésio passou sua última noite em liberdade num barraco de pescador, em Lombok, a poucas braçadas de mar da liberdade.
Acordou cercado por vários policiais, de armas apontadas. Suplicou em bahasa que tivessem misericórdia dele.
No sábado, enfrentou pela última vez a mesma polícia, mas desta vez o pessoal estava cumprindo ordens de atirar para matar.
Foi o fim do Curumim.
Fonte: DCM 

segunda-feira, janeiro 12, 2015

Dica de livro

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sexta-feira, janeiro 09, 2015

Uma outra visão sobre Charlie Hebdo

Je ne suis pas Charlie


Em primeiro lugar, eu condeno os atentados do dia do 7 de janeiro. Apesar de muitas vezes xingar e esbravejar no meio de discussões, sou um cara pacífico. A última vez que me envolvi em uma briga foi aos 13 anos (e apanhei feito um bicho). Não acho que a violência seja a melhor solução para nada. Um dos meus lemas é a frase de John Donne: “A morte de cada homem diminui-me, pois faço parte da humanidade; eis porque nunca me pergunto por quem dobramos sinos: é por mim”. Não acho que nenhum dos cartunistas “mereceu” levar um tiro. Ninguém merece. A morte é a sentença final, não permite que o sujeito evolua, mude. Em momento nenhum, eu quis que os cartunistas da Charlie Hebdo morressem. Mas eu queria que eles evoluíssem, que mudassem.

Após o atentado, milhares de pessoas se levantaram no mundo todo para protestar contra os atentados. Eu também fiquei assustado, e comovido, com isso tudo. Na internet, surgiu o refrão para essas manifestações: Je Suis Charlie. E aí a coisa começou a me incomodar.

A Charlie Hebdo é uma revista importante na França, fundada em 1970 e identificada com a esquerda pós-68. Não vou falar de toda a trajetória do semanário. Basta dizer que é mais ou menos o que foi o nosso Pasquim. Isso lá na França. 90% do mundo (eu inclusive) só foi conhecer a Charlie Hebdo em 2006, e já de uma forma bastante negativa: a revista republicou as charges do jornal dinamarquês Jyllands-Posten (identificado como “Liberal-Conservador”, ou seja, a direita européia). E porque fez isso? Oficialmente, em nome da “Liberdade de Expressão”, mas tem mais...

O editor da revista na época era Philippe Val. O mesmo que escreveu um texto em 2000 chamando os palestinos (sim! O povo todo) de “não-civilizados” (o que gerou críticas da colega de revista Mona Chollet – críticas que foram resolvidas com a saída dela). Ele ficou no comando até 2009, quando foi substituído por Stéphane Charbonnier, conhecido só como Charb. Foi sob o comando dele que a revista intensificou suas charges relacionadas ao Islã – ainda mais após o atentado que a revista sofreu em 2011.

Uma pausa para o contexto. A França tem 6,2 milhões de muçulmanos. São, na maioria, imigrantes das ex-colônias francesas. Esses muçulmanos não estão inseridos igualmente na sociedade francesa. A grande maioria é pobre, legada à condição de “cidadão de segunda classe”. Após os atentados do World Trade Center, a situação piorou. Já ouvi de pessoas que saíram de um restaurante “com medo de atentado” só porque um árabe entrou. Lembro de ter lido uma pesquisa feita há alguns anos (desculpem, não consegui achar a fonte) em que 20 currículos iguais eram distribuídos por empresas francesas. Eles eram praticamente iguais. A única diferença era o nome dos candidatos. Dez eram de homens com sobrenomes franceses, ou outros dez eram de homens com sobrenomes árabes. O currículo do francês teve mais que o dobro de contatos positivos do que os do candidato árabe. Isso foi há alguns anos. Antes da Frente Nacional, partido de ultra-direita de Marine Le Pen, conquistar 24 cadeiras no parlamento europeu...

De volta à Charlie Hebdo: Ontém vi Ziraldo chamando os cartunistas mortos de “heróis”. O Diário do Centro do Mundo (DCM) os chamou de“gigantes do humor politicamente incorreto”. No Twitter, muitos chamaram de “mártires da liberdade de expressão”. Vou colocar na conta do momento, da emoção. As charges polêmicas do Charlie Hebdo são de péssimo gosto, mas isso não está em questão. O fato é que elas são perigosas, criminosas até, por dois motivos.

O primeiro é a intolerância. Na religião muçulmana, há um princípio que diz que o profeta Maomé não pode ser retratado, de forma alguma. (Isso gera situações interessantes, como o filme A Mensagem – Ar Risalah, de 1976 – que conta a história do profeta sem desrespeitar esse dogma – as soluções encontradas são geniais!). Esse é um preceito central da crença Islâmica, e desrespeitar isso desrespeita todos os muçulmanos. Fazendo um paralelo, é como se um pastor evangélico chutasse a estátua de Nossa Senhora para atacar os católicos. O Charlie Hebdo publicou a seguinte charge:


Qual é o objetivo disso? O próprio Charb falou: “É preciso que o Islã esteja tão banalizado quanto o catolicismo”. Ok, o catolicismo foi banalizado. Mas isso aconteceu de dentro pra fora. Não nos foi imposto externamente. Note que ele não está falando em atacar alguns indivíduos radicais, alguns pontos específicos da doutrina islâmica, ou o fanatismo religioso. O alvo é o Islã, por si só. Há décadas os culturalistas já falavam da tentativa de impor os valores ocidentais ao mundo todo. Atacar a cultura alheia sempre é um ato imperialista. Na época das primeiras publicações, diversas associações islâmicas se sentiram ofendidas e decidiram processar a revista. Os tribunais franceses – famosos há mais de um século pela xenofobia e intolerâmcia (ver Caso Dreyfus) – deram ganho de causa para a revista. Foi como um incentivo. E a Charlie Hebdo abraçou esse incentivo e intensificou as charges e textos contra o Islã.

Mas existe outro problema, ainda mais grave. A maneira como o jornal retratava os muçulmanos era sempre ofensiva. Os adeptos do Islã sempre estavam caracterizados por suas roupas típicas, e sempre portando armas ou fazendo alusões à violência (quantos trocadilhos com “matar” e “explodir”...). Alguns argumentam que o alvo era somente “os indivíduos radicais”, mas a partir do momento que somente esses indivíduos são mostrados, cria-se uma generalização. Nem sempre existe um signo claro que indique que aquele muçulmano é um desviante, já que na maioria dos casos é só o desviante que aparece. É como se fizéssemos no Brasil uma charge de um negro assaltante e disséssemos que ela não critica/estereotipa os negros, somente aqueles negros que assaltam...



E aí colocamos esse tipo de mensagem na sociedade francesa, com seus 10% de muçulmanos já marginalizados. O poeta satírico francês Jean de Santeul cunhou a frase: “Castigat ridendo mores” (costumes são corrigidos rindo-se deles). A piada tem esse poder. Se a piada é preconceituosa, ela transmite o preconceito. Se ela sempre retrata o árabe como terrorista, as pessoas começam a acreditar que todo árabe é terrorista. Se esse árabe terrorista dos quadrinhos se veste exatamente da mesma forma que seu vizinho muçulmano, a relação de identificação-projeção é criada mesmo que inconscientemente. Os quadrinhos, capas e textos da Charlie Hebdo promoviam a Islamofobia. Como toda população marginalizada, os muçulmanos franceses são alvo de ataques de grupos de extrema-direita. Esses ataques matam pessoas. Falar que “Com uma caneta eu não degolo ninguém”, como disse Charb, é hipócrita. Com uma caneta se prega o ódio que mata pessoas.

No artigo do Diário do Centro do Mundo, Paulo Nogueira diz: “Existem dois tipos de humor politicamente incorreto. Um é destemido, porque enfrenta perigos reais. O outro é covarde, porque pisa nos fracos. Os cartunistas do jornal francês Charlie Hebdo pertenciam ao primeiro grupo. Humoristas como Danilo Gentili e derivados estão no segundo.” Errado. Bater na população islâmica da França é covarde. É bater no mais fraco.

Uma das defesas comuns ao estilo do Charlie Hebdo é dizer que eles também criticavam católicos e judeus. Isso me lembra o já citado gênio do humor (sqn) Danilo Gentilli, que dizia ser alvo de racismo ao ser chamado de Palmito (por ser alto e branco). Isso é canalha. Em nossa sociedade, ser alto e branco não é visto como ofensa, pelo contrário. E – mesmo que isso fosse racismo – isso não daria direito a ele de ser racista com os outros. O fato do Charlie Hebdo desrespeitar outras religiões não é atenuante, é agravante. Se as outras religiões não reagiram a ofensa, isso é um problema delas. Ninguém é obrigado a ser ofendido calado.

“Mas isso é motivo para matarem os caras!?”. Não. Claro que não. Ninguém em sã consciência apoia os atentados. Os três atiradores representam o que há de pior na humanidade: gente incapaz de dialogar. Mas é fato que o atentado poderia ter sido evitado. Bastava que a justiça francesa tivesse punido a Charlie Hebdo no primeiro excesso. Traçasse uma linha dizendo: “Desse ponto vocês não devem passar”.

“Mas isso é censura”, alguém argumentará. E eu direi, sim, é censura. Um dos significados da palavra “Censura” é repreender. A censura já existe. Quando se decide que você não pode sair simplesmente inventando histórias caluniosas sobre outra pessoa, isso é censura. Quando se diz que determinados discursos fomentam o ódio e por isso devem ser evitados – como o racismo ou a homofobia – isso é censura. Ou mesmo situações mais banais: quando dizem que você não pode usar determinado personagem porque ele é propriedade de outra pessoa, isso também é censura. Nem toda censura é ruim.

Por coincidência, um dos assuntos mais comentados do dia 6 de janeiro – véspera dos atentados – foi a declaração do comediante Renato Aragão à revista Playboy. Ao falar das piadas preconceituosas dos anos 70 e 80, Didi disse: “Mas, naquela época, essas classes dos feios, dos negros e dos homossexuais, elas não se ofendiam.”. Errado. Muitos se ofendiam. Eles só não tinham meios de manifestar o descontentamento. Naquela época, tão cheia de censuras absurdas, essa seria uma censura positiva. Se alguém tivesse dado esse toque nOs Trapalhões lá atrás, talvez não teríamos a minha geração achando normal fazer piada com negros e gays. Perderíamos algumas risadas? Talvez (duvido, os caras não precisavam disso para serem engraçados). Mas se esse fosse o preço para se ter uma sociedade menos racista e homofóbica, eu escolheria sem dó. Renato Aragão parece ter entendido isso. 

Deixo claro que não estou defendendo a censura prévia, sempre burra. Não estou dizendo que deveria ter uma lista de palavras/situações que deveriam ser banidas do humor. Estou dizendo que cada caso deveria ser julgado. Excessos devem ser punidos. Não é “Não fale”. É “Fale, mas aguente as consequências”. E é melhor que as consequências venham na forma de processos judiciais do que de balas de fuzis.

Voltando à França, hoje temos um país de luto. Porém, alguns urubus são mais espertos do que outros, e já começamos a ver no que o atentado vai dar. Em discurso, Marine Le Pen declarou: “a nação foi atacada, a nossa cultura, o nosso modo de vida. Foi a eles que a guerra foi declarada” (grifo meu). Essa fala mostra exatamente as raízes da islamofobia. Para os setores nacionalistas franceses (de direita, centro ou esquerda), é inadmissível que 10% da população do país não tenha interesse em seguir “o modo de vida francês”. Essa colônia, que não se mistura, que não abandona sua identidade, é extremamente incômoda. Contra isso, todo tipo de medida é tomada. Desde leis que proíbem imigrantes de expressar sua religião até... charges ridicularizando o estilo de vida dos muçulmanos! Muitos chargistas do mundo todo desenharam armas feitas com canetas para homenagear as vítimas. De longe, a homenagem parece válida. Quando chegam as notícias de que locais de culto islâmico na França foram atacados – um deles com granadas! - nessa madrugada, a coisa perde um pouco a beleza. É a resposta ao discurso de Le Pen, que pedia para a França declarar “guerra ao fundamentalismo” (mas que nos ouvidos dos xenófobos ecoa como “guerra aos muçulmanos” – e ela sabe disso).

Por isso tudo, apesar de lamentar e repudiar o ato bárbaro de ontem, eu não sou Charlie. No twitter, um movimento – muito menor do que o #JeSuisCharlie – começa a surgir. Ele fala do policial, muçulmano, que morreu defendendo a “liberdade de expressão” para os cartunistas do Charlie Hebdo ofenderem-no. Ele representa a enorme maioria da comunidade islâmica, que mesmo sofrendo ataques dos cartunistas franceses, mesmo sofrendo o ódio diário dos xenófobos e islamófobos, repudiaram o ataque. Je ne suis pas Charlie. Je suis Ahmed.

quinta-feira, janeiro 08, 2015

Sobre o atentado terrorista na França

Attentat à « Charlie Hebdo » : la traque d’une fratrie de djihadistes

Le Monde.fr |  • Mis à jour le  |
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C'est une carte d'identité qui a mis les enquêteurs sur la piste de Saïd et Chérif Kouachi, les deux auteurs présumés de l'attaque meurtrière qui a coûté la vie, mercredi 7 janvier, à douze personnes et blessé onze autres dans les locaux deCharlie Hebdo, à Paris. Oubliée, selon une source policière, par Chérif Kouachi dans la première voiture qui leur a permis de prendre la fuite, elle a permis à lapolice de dresser leur portrait et de fonder l'espoir de les intercepter.

Les informations détenues notamment par les agents de la Direction de la sécurité intérieure (DGSI) permettent, dans l’après-midi, d’identifier les différents points de chute de deux hommes. Une homonymie conduit d’abord les enquêteurs dans un appartement de Pantin (Seine-Saint-Denis). Ils se rendent ensuite à Gennevilliers (Hauts-de-Seine), une ville où Chérif Kouachi s’est marié et a vécu. Enfin, les forces de police tentent de retrouver leur trace à Reims et dans sa région, notamment à Charleville-Mézières, dans les Ardennes.
Ils ne trouvent aucun des deux hommes, qui sont de nationalité française, mais leur présence avérée et récente dans un appartement du quartier de la Croix-Rouge, à Reims, donne lieu à une longue perquisition et une analyse minutieuse du logement par la police scientifique. Des proches susceptibles de livrer des éléments sur la traque des fugitifs sont placés en garde à vue dans la soirée du mercredi 7 janvier.
Au milieu de la nuit qui suit l’attentat, un proche de la compagne de Chérif Kouachi, dont le nom circulait sur réseaux sociaux, se livre au commissariat de Charleville-Mézières afin d’écarter, explique-t-il aux policiers, les soupçons qui semblentpeser sur lui. Né en juillet 1996, il n’était, jeudi matin, pas considéré comme un suspect ayant participé à l’attaque. De source policière, on indiquait même, jeudi, au Monde, qu’« aucune charge » ne pesait sur lui et qu’il ne s’agissait, pour l’heure, « dans son cas, que de simples vérifications ».

Une fratrie suspecte

Saïd et Chérif Kouachi, qualifiés, par les autorités, « d’armés et dangereux »,étaient toujours en fuite, jeudi matin. Estimant qu’ils pouvaient bénéficier d’un« réseau de soutien »et craignant « qu’ils puissent, de nouveau, se livrer à un acte sanglant », la préfecture de police de Paris a diffusé dans la nuit un appel à témoins.
Saïd et Chérif Kouachi forment une cellule « familiale » dont on ne connaît pour l’instant pas les éventuelles ramifications. Ce qui est certain, c’est qu’avant d’être soupçonné d’être l’un des auteurs des assassinats de Charlie Hebdo, Chérif, le cadet, a appartenu à un groupe que l’on pourrait aujourd’hui considérer comme l’un des « pionniers » du djihad à l’étranger. De nationalité française, né dans le 10earrondissement de Paris, Chérif, qui se faisait appeler « Abou Issen », a été condamné, le 14 mai 2008, à trois ans de prison dont 18 mois avec sursis dans le dossier dit de la filière « des Buttes-Chaumont », qui envoyait des candidats au djihad en Irak entre 2004 et 2006.
Entendu en 2010, sa compagne, animatrice en crèche, avait revendiqué le port levoile intégral depuis son pèlerinage à La Mecque en 2008. Chérif Kouachi l’avait épousé le 1er mars 2008, avec, pour seul témoin, son frère Saïd. Il est sa seulefamille depuis le décès de ses parents. Relu à l’aune des événements d’aujourd’hui, le procès des Buttes Chaumont montre comment en dix ans, des jeunes du 19e arrondissement de Paris, âgés à l’époque d’une vingtaine d’années, sont passés de la volonté de se battre en Irak à celle de mener des attaques terroristes sur le sol français.
Chérif Kouachi a connu une partie de ses complices au collège. A l’époque, il est considéré comme le plus violent et le plus impulsif de tous. Ses camarades lui attribuent déjà des projets d’attentats terroristes contre des commerces juifs à Paris. Avec ses copains, il commet des larcins dans le quartier des Buttes-Chaumont, dans le 19e : vols, drogue, petits trafics. Son attrait pour le « djihad » apparaît en 2003, lorsqu’il commence à fréquenter la mosquée Adda’wa, à Stalingrad. Cheveux mi-longs, carrure athlétique, mâchoire carrée, Chérif Kouachi admet à la barre, en 2008, avoir été « un délinquant «. « Mais après j’avais la pêche, je calculais même pas que je pouvais mourir ».
A la mosquée, il rencontre le futur chef de la filière irakienne, Farid Benyettou. A peine plus âgé que lui, le jeune homme se vante d’une connaissance approfondie de l’islam et joue les prédicateurs à la sortie de la prière. Avec lui, les jeunes genssuivent des cours de religion, à leur domicile et dans un foyer du quartier. Certains s’y rendent presque tous les jours et coupent, peu à peu, les ponts avec leurs familles. Leur mode de vie change radicalement. Ils arrêtent de fumer, cessent les trafics, visionnent des vidéos sur le djihad. Les images de l’intervention américaine et britannique, en mars 2003, en Irak, les fascinent. « C’est tout ce que j’ai vu à la télé, les tortures de la prison d’Abou Ghraib, tout ça, qui m’a motivé », raconte, lors du procès de 2008, l’un des proches de Chérif Kouachi.
S’ils se radicalisent en moins d’une année et cherchent à gagner l’Irak, Chérif Kouachi et ses camarades apparaissent à la barre comme un petit groupe amateur. Une sorte de bande de « pieds nickelés » qui comparaît libre, à l’exception de l’un d’entre eux. Ils s’entraînaient en faisant des footings dans le parc des Buttes Chaumont et ils « voulaient jouer dans la cour des grands sansêtre vraiment prêt », avait-on entendu à la barre. « Plus le départ approchait,explique alors Chérif Kouachi, plus je voulais revenir en arrière. Mais si je me dégonflais, je risquais de passer pour un lâche. » Un fidèle plus âgé de la mosquée lui avait appris à manier la kalachnikov.

Radicalisation en prison

Si, entre 2003 et 2005, les départs en Irak s’échelonnent, chacun s’organise comme il peut pour ne pas éveiller les soupçons. Pour justifier leur départ, ils affirment souvent vouloir « perfectionner leur arabe ». Certaines familles s’inquiètent de leur absence. Mais, preuve que la menace qu’ils représentent pour la France n’est pas encore considérée comme très importante, les signalements émanant des familles ne suscitent pas le même empressement que celui qu’ils causeraient aujourd’hui. Une fois parvenus à Damas, en Syrie, ils sont accueillis dans des écoles coraniques salafistes où certains diront plus tard qu’on leur a« bourré la tête ». Très vite, ils passent la frontière syro-irakienne. Cherif Kouachi n’a jamais quitté le sol français : il est interpellé, à Paris, en janvier 2005.
Lors de l’année et demie qu’il passe en prison, de janvier 2005 à octobre 2006, à la maison d’arrêt de Fleury-Mérogis (Essonne), Chérif Kouachi fait la connaissance de celui qui deviendra son nouveau mentor : Djamel Beghal. Cet homme, qui se fait appeler Abou Hamza, purge une peine de dix ans de prison pour un projetd’attentat fomenté, en 2001, contre l’ambassade des Etats-Unis à Paris.
A sa sortie de prison, en 2006, Chérif Kouachi travaille à la poissonnerie du magasin Leclerc de Conflans-Sainte-Honorine (Yvelines). Selon les policiers de la sous-direction antiterroriste (SDAT), il conserve alors des liens avec certains de ses anciens complices des Buttes-Chaumont. Il aurait participé, selon le SDAT, à la préparation de l’évasion d’une autre figure de l’islam radical, Smaïn Ait Ali Belkacem, condamné, en novembre 2002, à une peine de prison à perpétuité pour sa participation à l’attentat de la station RER Musée-d’Orsay, en octobre 1995.
Incarcéré de nouveau en mai 2010 sur la base de ces soupçons, Chérif Kouachi est libéré le 11 octobre de la même année. Faute de preuves suffisantes, le parquet de Paris requiert un non-lieu le 26 juillet 2013, et ce « edépit de son ancrage avéré dans un islam radical, de son intérêt démontré pour les thèses défendant la légitimité du djihad armé », note le réquisitoire. Un magistrat contacté par Le Monde se souvient de ce dossier. « A l’époque, nous ne pouvions pasdeviner sa dangerosité. On allait tout de même pas le condamner pour avoir joué au foot… »
Photos de surveillance policière prises à Murat (Cantal) lors d’une rencontre entre Chérif Kouachi et le terroriste Djamel Beghal, le 11 avril 2010.
BOURREAU DE ETAT ISLAMIQUE
Pour étayer ses liens avec Djamel Beghal, qu’il a connu en prison, les enquêteurs disposent de rapports de surveillance. Chérif Kouachi est photographié dans le Cantal, à Murat, du 9 au 16 avril 2010, en compagnie de son mentor, qui est assigné à résidence. Le 11 avril 2010 au matin, ils sont rejoints par deux hommes qui ont déjà été condamnés pour des faits de terrorisme, Ahmed Laidouni et Farid Melouk. Les quatre hommes se rendent à pied sur le terrain de football de la ville, où durant deux heures, ils font du sport et se promènent dans la campagne.
Sur une écoute téléphonique datée du 14 avril 2010, Chérif Kouachi se félicite de ce séjour. « Non franchement, on est partis faire du sport, wallah c’était trop bien. » Un enthousiasme que ne partage pas son mentor. Un mois plus tôt, le 12 mars 2010, sur une autre écoute, Djamel Beghal met en garde un complice à propos de « Chérif » : « Fais pas confiance, il faisait pas à manger au Habs [prison en arabe] ».
Depuis sa résidence surveillée du Cantal, Djamel Beghal supervisait les préparatifs de l’évasion de Smaïn Ait Ali Belkacem, note le parquet dans un réquisitoire définitif du 26 juillet 2013. Dans ce même dossier, l’aîné des Kouachi, Saïd, apparaît également en périphérie. Sans plus d’éléments le concernant, les policiers ne poursuivent pas les investigations.
Dans cette affaire, les policiers confirment cependant « l’ancrage radical » de Chérif Kouachi grâce aux perquisitions menées à son domicile de Gennevilliers (Hauts-de-Seine). Au milieu d’images pornographiques, voisinent des ouvrages tels que « Déviances et incohérences chez les prêcheurs de la décadence », un livre qui dénonce l’existence d’un islam démocratique. Les policiers ont aussi mis la main sur « Les savants du Sultan, Paroles de nos prédécesseurs » quistigmatise les compromis des religieux avec le pouvoir et sur d’autres écrits justifiant le djihad et le martyre et rendant obligatoire le « djihad défensif ».
L’enquête a d’ores et déjà permis, selon les informations du Monde, d’en savoirplus sur la cellule des frères Kouachi. Dans le groupe Beghal-Kouachi, qui préparait l’évasion de Smaïn Ait Ali Belkacem, figurait, en effet, un homme dont le nom a récemment fait l’actualité internationale, Salim Benghalem. Il est présenté aujourd’hui par les Etats-Unis, comme l’un des principaux « bourreaux » de l’Etat islamique en Syrie, et il a été inscrit, fin septembre 2014, sur la liste noire du département d’Etat américain aux côtés de neuf autres djihadistes présumés dangereux.
Lorsqu’il purgeait une peine de prison à Fresnes (Val-de marne), pour « tentative de meurtre », en 2008, Salim Benghalem s’était lié d’amitié, selon la police antiterroriste française, avec l’un des membres de la filière irakienne des Buttes-Chaumont dont il partageait la cellule. Une relation qu’il a étendue, à sa sortie de prison, avec d’autres piliers de cette filière, dont Thamer Bouchnak.
INFLUENCE DE LA FILIERE DU 19E EN TUNISIE
L’influence de cette filière irakienne du 19e arrondissement de Paris a, enfin, été décelée en Tunisie après l’assassinat, les 6 février et 25 juillet 2013, de deux opposants politiques, Chokri Belaïd et le député Mohamed Brahmi. Ces deux meurtres, qui ont plongé la Tunisie dans une crise profonde, ont été revendiqués par des membres d’Ansar Al-Charia, un groupe salafiste radical créé en mai 2011 ayant fait allégeance à l’Etat islamique.
Le meurtre de ces deux opposants a été revendiqué, le 17 décembre 2014, par un proche de Chérif Kouachi, un franco-Tunisien nommé Boubaker Al-Hakim et connu sous le nom de « Abou Mouqatel ». « Nous allons revenir et tuer plusieurs d’entre vousVous ne vivrez pas en paix tant que la Tunisie n’appliquera pas la loi islamique », assure t-il alors. Selon le ministère de l’intérieur tunisien, l’intéressé est « un élément terroriste parmi les plus dangereux, objet de recherches au niveau international », déjà recherché pour trafic d’armes en Tunisie.
Boubaker Al-Hakim est considéré comme un exemple par « ses frères d’armes ». Il est l’un de deux fondateurs des filières irakiennes des « Buttes-Chaumont ». Présent en Irak dès 2002, il a, selon ses propres dires en garde à vue, séjourné à quatre reprises en Irak avant d’être condamné dans ce dossier. Au procès de la filière du 19e, en 2008, il était le seul détenu. C’est sur lui que pesaient les charges les plus lourdes.
Vingt-quatre heures après l’irruption sanglante des frères Kouachi dans les locaux de Charlie Hebdo, la DGSI s’interrogeait, jeudi, sur les liens pouvant exister entre tous ces hommes – Kouachi, en France, Benghalem en Syrie et Al-Hakim en Tunisie. Depuis le début de la crise syrienne, les services de renseignement craignaient que les jeunes recrues djihadistes formées sur le sol syrien organisent des attentats terroristes sur le sol français. Finalement, l’attaque spectaculaire tant redoutée n’est pas venue de ces novices mais de l’ancienne garde déjà passée en Irak que l’on croyait, à tort, assagie.