LUIZ FLÁVIO GOMES
Jurista e
diretor-presidente do Instituto Avante Brasil (membro do MCCE). Estou no luizflaviogomes.com
De acordo com o Relatório Global de
Status da Prevenção da Violência 2014 (da Organização
Mundial da Saúde – ONU), no período de 2000 a 2012 a redução global dos
homicídios foi de 16%; no mesmo período, o Brasil teve crescimento de 8,6% na
taxa de assassinatos e de 24,1% nos números absolutos: em 2000 tivemos 45.360
mortes (26,7 para cada 100 mil pessoas); saltamos em 2012 para 56.337 óbitos,
com taxa de 29 para cada 100 mil. O relatório estima que em 2012 teriam
ocorrido 475 mil assassinatos no mundo todo (quase 12% deles no território
brasileiro); 60% das mortes são do sexo masculino, com idade entre 15 e 44
anos; os homicídios são a terceira causa de morte para homens nessa faixa
etária.
As Américas são a região mais violenta do planeta: 28,5 homicídios para
100 mil habitantes; a Região Africana vem em segundo lugar, com uma taxa de
10,9 homicídios por 100 mil habitantes. Ao longo do período de 2000 a 2012, as
taxas de homicídio tiveram uma queda de pouco mais de 16% globalmente (de 8,0
para 6,7 por 100 mil habitantes); nos países de alta renda, a redução foi de
39% (6,2-3,8 por 100 mil habitantes). Nos países de renda média superior e
inferior a queda foi de 13%; para os países de baixa renda a redução foi de
10%. Todas as regiões do planeta estão reduzindo os assassinatos (o Brasil, no
entanto, está na contramão do mundo).
Onde estamos errando?
Desde logo, na política criminal adotada, que tem cunho puramente
reativo-populista, ou seja, não temos no Brasil programas preventivos da
violência e da criminalidade. De outro lado, nossa reação funciona muito mal
(porque aqui não existe a certeza do castigo; poucos crimes são efetivamente
punidos; o problema não é a inexistência de lei, sim, de certeza do castigo).
Editamos muitas leis penais severas (“política da mão dura”), mas não temos
estruturas para aplicá-las; ademais, prendemos muita gente que não cometeu
violência (51% do sistema prisional). Para se ter uma ideia dos desacertos
brasileiros, vejamos os programas mais bem sucedidos no planeta (dentre
outros):
(1) o de prevenção primária (raízes do crime) nos países escandinavos (países
altamente civilizados de capitalismo distributivo: excelente escolaridade, alta
renda per capita e baixa desigualdade, com forte índice de certeza do castigo);
(2) o de prevenção secundária nos EUA (obstáculos ao crime: mais policiais,
saneamento das polícias – exclusão dos corruptos, bons salários e boas
condições para se trabalhar -, policiamento massivo nas “nas zonas quentes”,
blitz generalizada e contínua, alto índice de certeza do castigo etc.); (3) o
de prevenção via escolarização massiva de período integral + alto índice de
certeza do castigo (Coreia do Sul, Cingapura, Japão, Canadá, Alemanha etc.) e
(4) o de prevenção moral e ética (ética que ensina o respeito ao outro ser
humano – é o caso dos países que seguem doutrinas filosóficas, como a de
Confúcio, no Oriente; eles seguem o princípio ético da ahimsa, que significa não ferir, não maltratar, não ofender, não matar (salvo
em situações de extrema necessidade).
Por que somos violentos?
São incontáveis os fatores externos (externos ao humano) que facilitam o
desencadeamento da violência no Brasil: extrema desigualdade social, baixa
escolarização (7,2 anos, em média; igual a Zimbábue), ausência do império da
lei (a Justiça funciona mal), forte relação de domínio, machismo,
hierarquização social aguda, apartheid, herança escravagista exterminatória, impunidade generalizada, polícia
não saneada, condições precárias de trabalho dos policiais, baixos salários,
sucateamento da polícia científica, enfraquecimento da polícia investigativa
(somente de 5% a 10% dos homicídios são apurados), guerra de gangues, guerra
com o narcotráfico ou entre narcotraficantes, ausência de dados seguros sobre a
violência, ausência de programa de vitimização, ausência de programas de ação a
partir dos dados seguros etc.
Tribalismo. Do ponto de vista interno (biológico, psicopatológico e neurológico) a
violência inata aos humanos começa com o seguinte (veja Somos una espécie violenta?, coordenado por David Bueno: 133 e
ss.): nós, Homo sapiens, somos tribalistas: nos identificamos com as pessoas do nosso grupo e não
nutrimos simpatia nem empatia com os demais, com “os outros”; toda tribo se
considera diferente das outras e deseja ser percebida dessa maneira, ou seja,
como distinta (Garrett Hardin). São membros da mesma tribo os que compartilham
a mesma língua, os antepassados comuns, o mesmo território ou ideologia, a
mesma religião ou etnia, o mesmo time de futebol ou partido político e,
particularmente nos países com longa tradição escravagista, a mesma classe
social. A razão central de nos reunirmos em tribos reside em algo obvio: viver
em grupo é mais favorável para o êxito da sobrevivência (p. 216). Quem vive
isoladamente se torna mais frágil, mais exposto, mais vulnerável.
Nossa preparação neurobiológica para a violência: a grande maioria das tribos divide o mundo entre os que pertencem ao seu
grupo (relação de pertencimento) e os que integram os “outros”. Desde crianças
já manifestamos preferência pelo nosso grupo e desconfiança, preconceito, medo
e hostilidade frente aos demais. O cérebro humano, ao longo da evolução, foi
selecionando os requisitos necessários para se viver junto com outras pessoas.
Nosso cérebro tem capacidade inata para detectar e processar os indicadores de
similitude e dissimilitude. Praticamente desde o nascimento já sabemos
distinguir “quem é do nosso grupo” e “quem é do outro grupo”. A cooperação
(solidariedade, cordialidade, lealdade) é mais frequente entre pessoas do mesmo
grupo (da mesma tribo). Frente aos outros, o normal é o distanciamento (perceptivo
e afetivo), quando não a agressividade ou até mesmo a violência. Por quê?
Tudo se processa nas nossas redes neuronais (Somos una espécie
violenta?: 217 e ss.), que são o suporte das nossas emoções; à amigdala (ou
amídala) corresponde a função básica de detectar as ameaças ambientais (ela
desencadeia nosso rechaço ou asco frente a alguns alimentos ou substâncias
prejudiciais). Dela emanam os sinais de perigo (isso ocorre, por exemplo, com
muitas pessoas quando veem gente de etnia distinta ou estranhos ou diferentes)
assim como o sentimento de indignação (em razão de uma injustiça, por exemplo).
As redes neuronais (amídalas + córtex) são a base do ódio, da xenofobia, dos
preconceitos e da desumanização de algumas pessoas.
As doutrinas e os discursos fanáticos, identitários, totalitários,
ditatoriais, particularmente se pregam o pensamento único, ampliam as
distâncias entre os grupos (da distância vem a indiferença, da indiferença
despontam as diferenças e os preconceitos, destes nascem os estranhos, dos estranhos
brotam os indesejáveis, dos indesejáveis surgem os inimigos e dos inimigos
dimanam os não humanos, ou seja, as não pessoas, que podem ser exterminadas ou
torturadas impunemente – Homo sacer).
Se os discursos inflamados e fanáticos são acompanhados da exaltação do
uso da violência, rapidamente eclode a agressividade contra os desumanizados.
Quem assim se comporta não manifesta qualquer tipo de compaixão ou
arrependimento pela dor e sofrimento infligidos contra o estranho, o inimigo, o
indesejável, o diferente. O mal se banaliza (Arendt). Os nazistas, os
terroristas, os fanáticos, os religiosos radicais e os homofóbicos nem sequer
percebem a dor alheia: “as áreas do cérebro que se ativam quando vemos alguém
do nosso grupo sofrer se desativam diante de quem não é do nosso grupo, ou
seja, diante dos desumanizados” (p. 218). Muito provavelmente é isso o que
sentem (ou não sentem) os policiais que matam os marginalizados ou quando um
marginalizado mata um policial: a vítima não é vista como um humano; se ela não
é vista, não sofre. O mesmo mecanismo que permite identificar-se com o próprio
grupo e favorecer a necessária cooperação e o altruísmo também cria barreiras
impermeáveis como o sectarismo, o tribalismo, a desumanização e estereótipos e
preconceitos contra os outros grupos (p. 219).
Desumanização. A tribalização se transforma em potente ferramenta para a prática de
violências contra “os outros”, sobretudo quando presente o mais macabro aspecto
do tribalismo que reside na desumanização desses “outros”. Adesumanização é um processo que
acontece por etapas: primeiro o distanciamento, a indiferença; depois despontam
as diferenças, que os caracteriza como estranhos; em seguida são percebidos
como indesejáveis, inimigos e, por fim, como não humanos (como não pessoas).
Nisso se estrutura o chamado direito penal do inimigo (descortinado por G.
Jakobs). Chegados a esse ponto, os “outros” não mais são considerados humanos
dotados de direitos (daí a mutilação, a tortura ou mesmo o extermínio, sem
nenhum sentimento de culpa). Algumas pessoas, diante da desumanização do
“outro”, não tem qualquer tipo de escrúpulo ou experimenta qualquer contradição
diante da morte deste “outro”. Pior: a destruição do “inimigo” (do outro), já desumanizado, passa a ser um prazer, um desfrute (como no tempo do Homo caçador-coletor).
Não podemos esquecer que durante 95% da existência do Homo sapiens ele foi caçador-coletor (p. 135).
Saiba mais – Nossa herança animal
Mesmo tendo havido mudanças genéticas desde a descoberta da agricultura
(10 mil anos atrás), nossas pulsões, propensões e necessidades, ou seja, nossa
constituição biológica intrínseca segue sendo basicamente a de um primata
caçador-coletor. Até à revolução neolítica (que ocorreu com o desenvolvimento
da agricultura – há 10 mil anos atrás), os grupos humanos viviam como nômades,
isto é, se deslocavam de um lugar ao outro, procurando alimentos necessários
para a sobrevivência. No período Paleolítico (dos humanos caçadores-coletores),
o Homo sapiens dependia da caça de animais e da coleta de frutos e vegetais para sua
existência. Essas atividades herdadas do mundo animal, dos primatas, antecedem
a pecuária e a agricultura. Há 20 mil anos todas as tribos humanas eram
caçadoras-coletoras.
O tribalismo quando se soma à ativação do sistema cerebral de recompensa
(de prazer, de satisfação), para além de produzir a conduta depredadora, pode
explicar a crueldade humana contra os que não pertencem ao mesmo grupo (incluindo-se nessa atividade
prazerosa a pena de morte, a tortura, o tratamento desumano).
Nas torcidas organizadas ou ainda na política ou nos blocos de carnaval:
“os membros de todos os grupos tendem a qualificar seus companheiros de grupo
como mais cordiais, honestos, confiáveis e inteligentes, enquanto que os
membros dos demais grupos lhes parecem mal-intencionados, ineptos, estranhos,
desonestos, inimigos” (p. 217). Com essa “preparação neurobiológica” estamos
sempre na iminência de uma agressão ou violência. Ela é responsável por muitas
das nossas condutas e atitudes.
As classes sociais também se comportam como tribos: especialmente em países gritantemente marcados pelo apartheid de origem escravagista, elas se
apresentam como tribos inconfundíveis (e, em alguns casos, até “inimigas”,
sobretudo quando se acredita numa concorrência para a sobrevivência, como é o
caso da xenofobia). Aliás, quanto mais distanciamento entre elas, mas
tribalistas elas são. Quando o tribalismo (particularmente o fundado na hierarquização
social de viés escravagista ou na divisão de gangues, por exemplo) interage com
os sistemas cerebrais de dominação e depredação, a agressividade e a violência
explodem com muita frequência (e até mesmo com facilidade). Quem ocupastatus mais baixo e acredita que tem o direito de também integrar o mais alto,
tem intenso ressentimento e vê seus membros como “inimigos”, porque acabam
sendo considerados culpados pelo seu baixo status social. Este ressentimento leva à violência (ou mesmo a guerras entre países
ou até a extermínios coletivos). E o inverso também ocorre: quem tem (ou quem
se julga ter) alto status pode atuar com agressividade e violência contra os “outros”, para
reforçar seu hipotético domínio.
Ideologia e tribalismo. O cérebro humano
(dizem os autores do livro Somos una espécie
violenta?: 215 e ss.) acredita facilmente em qualquer ideologia que lhe permita
acentuar as diferenças do grupo a que pertence em relação aos “outros”; existe
uma “preparação neurobiológica” pronta para aceitar qualquer tipo de reforço
das diferenças; qualquer doutrina ou religião ou ideologia “fanática”, que
explore essa “preparação neurobiológica” tende a prosperar; essa tendência
agressiva se agrava se as diferenças são vistas ou interpretadas como o motivo
fundamental de sua aparente infelicidade ou falta de progresso (na xenofobia
isso resulta muito evidente); essa diferenciação pode acabar justificando até
mesmo o aberrante assassinato de uma ou várias pessoas (veja o caso Charlie) ou até a aniquilação de um grupo (como ocorreu no nazismo). A mesma
coisa se passa nos ataques homofóbicos.
Mesmo em multidão, as tribos não
perdem seus laços de empatia com os membros do seu grupo e de antipatia com “os
outros”. Isso explica em grande medida a presença de tanta violência no
carnaval ou nos estádios, por exemplo: a tribo da “camarotização” tem ojeriza
das outras; a tribo da “cordanização” (os que ficam dentro das cordas) não tem
empatia com “os outros” (sobretudo com a chamada “ralé da pipocação”). O
conflito se estabelece com frequência nos locais que se transformam em palcos
de multidões. As tribos, ademais, possuem uma dupla moral: julga os comportamentos dentro do seu grupo de uma maneira (mais
compreensiva, mais humana) e se valem de outras réguas (outros padrões) para
julgar os “demais”; o grupo é complacente com os “de dentro” e (muito) rigoroso
“com os de fora”; o assédio sexual de um membro da tribo “A” é valorado de
forma bem diferente frente a outro da tribo “B”.
O tribalismo (como pontificam os autores do livro citado: Somos una espécie violenta?) não explica todo tipo de violência,
mas constitui um fator importante nas condutas humanas agressivas (p. 135).
Outro fator relevante é o territorialismo(demarcação de
território), que também se faz presente no carnaval, cujos espaços físicos são
totalmente demarcados (o pessoal camarotizado não se mescla com os demais e os
cordanizados não aceitam a invasão da patuleia). Cabe advertir, entretanto, que nem todas as pessoas se comportam consoante as
características comuns ao tribalismo. Em muitos não há a agressividade típica
da dominação social. Eles são humanistas, pacifistas e respeitadores dos
direitos humanos universais.
Antídoto
O antídoto para essa tendência natural à agressividade e à violência
reside na educação de
qualidade (esmerada). Não se trata de uma
garantia absoluta, mas a boa educação tem força para conter grande parcela dos
nossos impulsos violentos. “Salvo que uma educação esmerada tenha contido os
impulsos naturais, o humano desfruta do ato de caçar bem como do ato de matar”
(S. Washburn). A caça gera prazer (tanto quanto o castigo do outro). O
espetáculo público da tortura e da morte acontece para que todos possam
desfrutar disso (para o prazer coletivo). O caçador tem prazer de caçar e de
matar os integrantes dos outros grupos (diz J. Goodall).
Uma prova de que a educação esmerada tem muito a ver com a violência
reside no ranking mundial dos países levando em conta a escolaridade, a renda
per capita e a expectativa de vida. Estamos falando do IDH (Índice de Desenvolvimento
Humano). O ranking de 2013 nos revela que os países educacionalmente mais
desenvolvidos praticam menos violência. Se a escolaridade se combina com a
baixa desigualdade, menos violência ainda acontece. Vejamos:
Como evidenciado pelo levantamento do Instituto Avante Brasil, quando
comparados os grupos do IDH com o valor do Gini destes grupos e a taxa de homicídios,
percebe-se que quanto maior a desigualdade social (evidenciada pelo Gini) e
menor a escolaridade, maior é a taxa de homicídios.
Violência global – Relatório Global completo da OMS
A Organização Mundial da Saúde divulgou em dezembro de 2014 um relatório
chamado “Relatório Global de Status da Prevenção da Violência 2014”, que versa
sobre a violência interpessoal, que é a que ocorre entre os membros da família, parceiros íntimos,
amigos, conhecidos e desconhecidos, e inclui maus-tratos infantis, a violência
juvenil, violência por parceiro íntimo, violência sexual e maus-tratos. A
violência interpessoal é um fator de risco para a saúde ao longo da vida e dos
problemas sociais. É previsível e evitável. O Relatório Mundial sobre prevenção
da violência 2014 representa o progresso que os países têm feito na
implementação das recomendações do Relatório Mundial sobre Violência e Saúde de
2002.
Homicídios Globais
Há uma estimativa de 475.000 mortes em 2012, como resultado de
homicídios. Do total de homicídios, 60% eram do sexo masculino com idade entre
15 e 44 anos, tornando os homicídios a terceira causa de morte para homens
nessa faixa etária. Dentro de países de renda baixa e média, as taxas de
homicídios mais altas estimadas ocorreram na Região das Américas, com média de
28,5 homicídios por 100 mil habitantes, seguida pela Região Africana, com uma
taxa de 10,9 homicídios por 100 mil habitantes. A menor taxa estimada de
homicídio é nos países de renda baixa e média da Região do Pacífico Ocidental,
com 2,1 por 100 mil habitantes. Ao longo do período 2000 a 2012, as taxas de
homicídio tiveram uma queda de pouco mais de 16% globalmente (8,0-6,7 por 100
mil habitantes); nos países de alta renda, 39% (6,2-3,8 por 100 mil
habitantes). Por outro lado, as taxas de homicídio em países de renda baixa e
média mostraram menor declínio ao longo do mesmo período. Para ambos os países
de renda média superior e inferior a queda foi de 13%, e para os países de
baixa renda foi de 10%. No entanto, as mortes são apenas uma fração do problema
de saúde e social decorrente da violência.
Mulheres, crianças e idosos suportam o peso do abuso físico, sexual e
psicológico não fatal:
• Um quarto de todos os adultos relatam terem sofrido abusos físicos
quando crianças.
• Um em cada cinco mulheres relata ter sido abusada sexualmente quando
criança.
• Um em cada três mulheres já foi vítima de violência física ou sexual
por parceiro íntimo em algum momento de sua vida.
• Um em cada 17 adultos mais velhos relata abuso no mês passado.
Mais de 1,3 milhões de pessoas em todo o mundo morrem a cada ano como
resultado da violência em todas as suas formas (autodirigida, interpessoal e
coletiva), sendo responsável por 2,5% da mortalidade global. Para as pessoas
com idade entre 15 e 44 anos, a violência é a quarta principal causa de morte
no mundo. Além disso, dezenas de milhares de pessoas em todo o mundo são
vítimas de violência não-fatal a cada dia. Estes incluem vítimas de agressão
que sofrem lesões físicas que necessitam de tratamento em serviços de emergência
e aqueles que sofrem outro tipo de abuso físico, sexual e psicológico, mas não
pode trazê-lo para a atenção da saúde ou de outras autoridades.
Desde 2000, cerca de 6 milhões de pessoas no mundo foram mortas em atos
de violência interpessoal, tornando o homicídio a causa mais frequente de morte
do que todas as guerras ocorridas durante este período.
Ao longo do período 2000-2012, as taxas de homicídio estimadas
declinaram pouco mais de 16% globalmente (8,0-6,7 por 100 mil). Para cada morte
relacionada com violência há muitos mais indivíduos que procuram tratamento de
emergência de uma lesão devido a um ato de violência interpessoal. Por exemplo,
em um estudo nacionalmente representativo de violência relacionada a casos de
acidentes atendidos nos serviços de urgência durante um período de 1 mês no
Brasil, houve 4.835 casos de lesão relacionada à violência, dos quais 91% foram
vítimas de violência interpessoal e 9% foram resultado de violência
auto-infligida.
Mais da metade das vítimas (55%) também eram jovens, com idades entre 10
a 29 anos. Nos Estados Unidos da América, 1.723.515 pessoas foram tratadas nos
departamentos de emergência em 2012 por ferimentos sofridos em um assalto; 37%
estavam na faixa etária entre 10 e 24 anos. Na Cidade do Cabo, África do Sul, a
análise de 9.236 consecutivas admissões no centro de trauma de outubro de 2010
a setembro 2011 mostrou que a agressão com um instrumento afiado (21%) ou
objeto pontiagudo (17%) foram os dois mecanismos mais comuns de lesão, e que
mais de 70% de todos os casos eram do sexo masculino, e 42% estavam na faixa
etária 18 a 30 anos.
Violência de gênero
Cerca de 30% das mulheres em todo o mundo foram vítimas de violência
física e / ou sexual por parceiro íntimo em algum momento de suas vidas. Na
África, no Mediterrâneo Oriental e Sudeste da Ásia, cerca de 37% das mulheres
relatam ter sofrido violência física e/ ou sexual por parceiro íntimo em suas
vidas, seguindo-se a Região das Américas, com cerca de 30% das mulheres que
relataram ao menos um episódio de violência íntima na vida. Em termos globais,
7,2% das mulheres também relatam ter sofrido violência sexual por outros
autores.
Uma em cada cinco meninas foi vítima de abuso sexual durante a infância,
com estimativas em alguns países de que essa proporção esteja perto de uma em
cada três.
As estimativas de maus-tratos infantis indicam que cerca de um quarto
dos adultos (22,6%) em todo o mundo sofreram abuso físico quando criança, 36,3%
sofreram abuso emocional e 16,3% experimentaram negligência física, sem diferenças
significativas entre meninos e meninas. No entanto, a taxa de prevalência de
abuso sexual na infância indica uma diferença mais acentuada por sexo – 18% das
meninas e 7,6% para os meninos. Pesquisas nacionais de violência contra
crianças realizados na África revelam taxas muito mais elevadas de violência
física na infância, abuso sexual e emocional do que as taxas globais.
Violência em idosos
Globalmente, 6% dos adultos mais velhos denunciaram abuso significativo
no mês anterior a pesquisa. O abuso de idosos não foi estudado na mesma medida
como outros tipos de violência.
Custos Sociais da Violência
As consequências para a saúde e sociais da violência tem um custo
econômico para os países também, embora a carga exata seja desconhecida,
particularmente nos países em desenvolvimento, onde os prejuízos econômicos e
impactos tendem a ser subestimados. A prestação de tratamento, serviços de
saúde mental, atendimento de emergência e as respostas da justiça criminal são
alguns dos custos diretos associados à violência. Há também uma vasta gama de
custos indiretos. Vítimas de violência são mais propensas a experimentar
períodos de desemprego, absentismo e de sofrer problemas de saúde que afetam o
desempenho do trabalho. Outros custos indiretos incluem aqueles relacionados à
perda de produtividade por causa de morte prematura; incapacidade a longo
prazo; a oferta de locais de segurança para as crianças e mulheres;
perturbações da vida diária por causa de temores de segurança pessoal; e os
desincentivos ao investimento e turismo. Os resultados de vários estudos de
custos mostram que a maioria dos países gasta uma quantidade significativa de
recursos em resposta à violência. Estimou-se em 2004, que os custos econômicos
diretos e indiretos da violência foram equivalentes a 0,4% do produto interno
bruto (PIB) na Tailândia, 1,2% do PIB no Brasil e 4% do PIB em Jamaica. Nos
Estados Unidos, o ônus econômico total resultante de novos casos fatais e
não-fatais de maus tratos na infância é de aproximadamente US$ 124 bilhões por
ano (em 2010). O custo econômico anual da violência contra as mulheres foi
estimado em US$ 5,8 bilhões nos Estados Unidos para o ano de 2003.
Esta seção tem mostrado que a violência é um problema de saúde pública e
um importante fator de risco para problemas de saúde ao longo da vida e outros
problemas sociais que, em combinação podem levar a custos econômicos
substanciais.
Prevenção da Violência Global
Para a maioria dos tipos de violência, menos de metade dos países
relataram ter realizado pesquisas com representatividade nacional de base
populacional. Dados confiáveis sobre a natureza e extensão da violência, as
populações em situação de risco e as causas e consequências da violência são
essenciais para o desenvolvimento de planos nacionais bem informados de ação e
políticas, programas e serviços de prevenção e resposta à violência. Os dados
sobre violência fatal e não-fatal são necessários para informar esses esforços.
Os países foram convidados a fornecer informações sobre as mortes, bem como na
realização de inquéritos populacionais nacionais que capturam informações sobre
vitimização que pode ou não ter sido relatado à polícia ou outras autoridades.
A maioria dos países (88%) ofereceu dados de homicídios a partir de
fontes policiais. No total, 60% dos países não têm dados úteis sobre homicídios
de fontes de registo civil ou vitais, enquanto cerca de 9% dos países
reportaram não oferecer nem dados policiais, nem vitais no registro dos casos
de homicídios. No Leste Mediterrâneo, apenas 30% dos países reportaram não
oferecer dados de homicídios da polícia, na África e no Sul e Leste da Ásia, 70
-75%, reportaram não ter esses dados disponíveis em registros civis ou
policiais. Dados de homicídios ainda são permanecem com detalhes insuficientes
em muitos países para guiar e monitorar a prevenção e esforços de resposta. Por
exemplo, 36% dos países reportam ser incapaz de fornecer uma repartição de
homicídio por sexo em seus dados policiais e mais da metade (54%) não são
capazes de fornecer essa repartição nos seus dados de registo civil ou vital.
Além disso, 13% dos países (mais de um terço na Região do Mediterrâneo
Oriental) dizem que faltam dados anuais sobre o homicídio, para o período
2001-2010 para acompanhar as tendências.
Muitos países incluem violência por parceiro íntimo e violência sexual
nos seus planos nacionais para combater a violência contra as mulheres. Cerca
de três em cada quatro países relataram ter planos de ação nacionais para
maus-tratos (71%), seguido de planos de ação nacionais para a violência íntima
parceiro (68%) e violência sexual (65%) e violência juvenil (53%). Menos da
metade dos países pesquisados relataram planos para tratar o abuso de idosos
(41%), a violência armada (40%) ou a violência de gangues (37%).
Aproximadamente 57% dos países indicaram que eles haviam conduzido
alguma pesquisa nacional sobre a violência da mulher, focada na violência por
um parceiro íntimo.
Cerca de 4 em cada 10 países (41%) reportaram haver conduzido estudos
acerca dos maus tratos infantis, com 60% na Europa, 43% nas Américas, 33% na
Àfrica, e 13% no Sudeste Asiático. Apenas 14% dos países pobres reportagem esse
tipo de crime em comparação com rendas médias e altas (45%-47%).
Cerca de um em cada seis (17%) países reportaram ter realizado uma
pesquisa sobre o abuso de idosos, incluindo 32% dos países da Região Europeia,
19% dos países da Região das Américas e entre 7% a 13% em outras regiões, com
exceção do Sudeste Asiático, onde nenhum país indica ter realizado uma pesquisa
dessa natureza. O abuso de idosos foi noticiado também especialmente também em
países de baixa renda.
Planos de ação nacional
Por existirem diferentes tipos de violência muitos fatores de risco
subjacentes estão relacionados entre si em aspectos importantes.
Por exemplo, as crianças que sofrem rejeição, negligência, punição
severa e abuso sexual – ou testemunhas de violência em casa ou na comunidade –
estão em maior risco de se engajar em comportamentos agressivos e antissociais
em estágios mais avançados de desenvolvimento, incluindo o envolvimento em
comportamentos violentos como adultos. Cerca de metade (51%) dos países
pesquisados indicaram que tinham planos que abordam vários tipos de
violência integrada. Isto sugere que, em cerca de metade dos países, o
planejamento pode ser mais influenciado por esforços para tratar tipos
específicos de violência do que os esforços para criar sinergias entre os tipos
de violência. Planos integrados de combate a todas as formas de violência foram
muito mais frequentes na região das Américas (76%) do que em outras regiões.
Muitos países incluem violência por parceiro íntimo e violência sexual
nos seus planos nacionais para combater a violência contra as mulheres. Cerca
de três em cada quatro países relataram ter planos de ação nacionais para
maus-tratos (71%), seguido de planos de ação nacionais para a violência íntima
perpetrada pelo parceiro (68%) e violência sexual (65%) e violência juvenil
(53%). Menos da metade dos países pesquisados relataram planos para tratar o
abuso de idosos (41%), a violência armada (40%) ou a violência de gangues
(37%).
A violência é um problema multifacetado com raízes biológicas,
psicológicas, sociais e ambientais. Os esforços voltados para a prevenção da
violência devem ser abrangentes, abordando a gama de fatores que aumentam o
risco de violência, incluindo maiores determinantes sociais, tais como a
desigualdade econômica e de gênero, e devem ser mantidas ao longo do tempo.
Esforços de prevenção da violência podem ser orientados para os indivíduos,
relacionamentos, comunidades e sociedades inteiras, e entregue em colaboração
com os diferentes setores da sociedade, tais como escolas, locais de trabalho,
as organizações não-governamentais e do sistema de justiça criminal.
Especialistas apontam algumas estratégias que podem ajudar na prevenção
da violência:
1. desenvolver segurança, estabilidade e nutrir relacionamentos entre as
crianças e seus pais e cuidadores;
2. desenvolvimento de habilidades para a vida em crianças e
adolescentes;
3. reduzir a disponibilidade e uso nocivo do álcool;
4. reduzir o acesso a armas de fogo e facas;
5. promover a igualdade de gênero para prevenir a violência contra as
mulheres;
6. mudança de normas culturais e sociais que apoiam a violência;
7. identificação das vítimas, cuidados e programas de apoio.
As leis e a prevenção da violência
A promulgação e aplicação da legislação sobre crime e violência são
fundamentais para o estabelecimento de normas de comportamento aceitável e
inaceitável, e criação de sociedades seguras e pacíficas. De particular
importância são as estratégias que permitam a comunicação segura da violência
interpessoal e a garantia de que a proteção legal e apoio estejam disponíveis a
todos os cidadãos. Em determinadas circunstâncias, a ameaça de sanções penais
pode ter um efeito dissuasório, por exemplo, em pessoas com fortes laços
sociais ou quando a certeza – mas não necessariamente a gravidade – das sanções
é alta. Um objetivo importante para a prevenção da violência é, por
conseguinte, reforçar a colaboração entre a saúde pública, o setor da justiça
criminal e instituições de segurança fundamentais, tais como a polícia, a fim
de aumentar a chance de que os potenciais autores de violência venham ser
dissuadidos e impedidos de cometer o crime em primeiro lugar (e se não, pelo
menos responsabilizados por suas ações).
Os países foram questionados sobre a existência e aplicação das leis
relativas a diversas formas de violência, incluindo as leis que tratam de
diversas formas de violência contra as mulheres (por exemplo, a violência
sexual). Os resultados da pesquisa indicam que as leis pertinentes à violência
têm sido amplamente promulgadas. Em média, cerca de 80% dos países promulgaram
leis de prevenção à violência. No entanto, isso varia de um mínimo de 40% para
a existência de leis que previnem o abuso de idosos em instituições e de 98%
para leis sobre estupro. Não houve diferenças significativas, por nível de
renda, na proporção de países com leis em vigor para impedir diversas formas de
violência: a proporção média dos países que apresentaram leis para prevenir a
violência foi de 76%, 77% e 82% para os países com baixa, média e alta renda,
respectivamente. A única exceção esta relacionada com as leis que impedem o
abuso de idosos, onde a proporção média para os países de alta, média e baixa
renda com cada uma das leis para prevenir o abuso de idosos foi relatado como
33%, 62% e 69%, respectivamente. A proporção de países da Região Africano (52%)
e na região ocidental do Pacífico (50%) com leis que reconhecem o estupro
dentro do casamento como um crime teria sido muito menor do que na Região das
Américas (91%) ou o Europeu região (98%).
Recomendações da OMS para a prevenção da Violência
Em nível nacional:
- Fortalecer a coleta de dados para revelar a
verdadeira extensão do problema;
- Desenvolver planos de ação nacionais
abrangentes e orientados por dados;
- Integrar a prevenção da violência junto com
outras plataformas de saúde;
- Fortalecer mecanismos para liderança e
coordenação de atividades de prevenção da violência;
- Assegurar que programas de prevenção da
violência sejam compreendidos, integrados e informados pelas evidências;
- Assegurar que os serviços para vítimas sejam
compreendidos e informados por evidências;
- Fortalecer o apoio aos estudos
resultado-avaliação;
- Fazer cumprir as leis existentes e avaliar a
sua qualidade;
- Implementar e instaurar políticas e leis
pertinentes a vários tipos de violência;
- Construir capacitação para a prevenção da
violência.
Níveis regionais e internacionais:
- Reforço da agenda global de prevenção da
violência;
- Reforçar o apoio à programação abrangente e
integrada de prevenção da violência;
- Aumentar a colaboração entre as organizações
internacionais e agências doadoras;
- Definir as linhas de base e metas, e
acompanhar o progresso.
** Colaborou Flávia Mestriner Botelho, socióloga e pesquisadora do
Instituto Avante Brasil.