Barbara Bruns: "O Brasil não atrai talentos para a carreira de professor"
Economista-chefe do Banco Mundial diz que a baixa qualidade dos docentes impede avanços na qualidade da educação do país
Fonte: Época
CAMILA GUIMARÃES
Barbara Bruns: Muitas pesquisas educacionais mostram que o aprendizado – as notas dos alunos, seu sucesso na trajetória escolar e depois na faculdade – está muito ligado à condição socioeconômica da família. Essas pesquisas eram valiosas porque foram feitas em uma época em que tínhamos pouca capacidade de medir o que acontecia dentro da escola. Agora, nós temos muitos dados que analisam o desempenho do professor na sala de aula e descobrimos que o impacto do professor é muito maior do que poderíamos imaginar. Pesquisas atuais e reconhecidas nos permitem saber que alunos com o mesmo nível socioeconômico podem aprender mais ou menos, de acordo com o professor.
ÉPOCA: Em que os professores do Brasil precisam melhorar?
Barbara : Em basicamente três pontos. O primeiro, atrair para as faculdades de pedagogia mais alunos que sejam talentosos e tenham grande capacidade de ser professores. O Brasil, assim como outros países da América Latina, não atrai os melhores e mais brilhantes alunos do ensino médio. Estes procuram outras carreiras, outras profissões. Uma das coisas que o Brasil precisa fazer é achar um jeito de atrair esses cérebros e transformá-los em professores. O segundo é melhorar a qualidade dos professores que já estão trabalhando. Qualquer que seja a medida ou política que o governo adote para melhorar a atratividade da carreira, ela terá resultado no longo prazo. Todos os países que investiram para atrair novos talentos também tinham estratégias para melhorar a qualidade de quem já estava no sistema. Isso é um desafio, porque, assim como em outros países, o Brasil gasta muito dinheiro em cursos de capacitação de professores sem efeito.
ÉPOCA: Que tipo de habilidades têm de ser estimuladas?
Barbara : As essenciais: como fazer boa gestão da sala de aula, do tempo da aula, se comunicar com clareza com os alunos, preparar lições e provas. Visitei inúmeras salas de aula no Brasil inteiro, observando alunos e professores. Na maioria das classes, pelo menos 30% dos alunos não prestavam atenção na aula. O Brasil precisa medir a qualidade dos professores. Sabemos que para entrar na rede pública muitos passam por concursos, mas muitos não têm qualificação mínima, apesar dos títulos. O Brasil precisa saber o que de fato sabem seus professores, para poder ajuda-los a melhorar de forma eficiente. O Chile criou uma prova de avaliação de conhecimento para os alunos que estão se formando em pedagogia, prestes a assumir uma sala de aula. Descobriu que 8% deles não tinha o conhecimento esperado para isso.
ÉPOCA: E o terceiro ponto?
Barbara : Incentivo. O Brasil precisa de professores mais motivados. Isso depende de uma boa supervisão de diretores, que entendam seus professores e os ajudem no que for preciso. São poucos os diretores brasileiros que fazem isso sistematicamente. Depende também de passar mais responsabilidade para esse professor. Um profissional se sente valorizado quando responsabilidades e é cobrado pelo seu trabalho. Essa é uma das maiores diferenças entre os sistemas do Brasil e de potencias educacionais como Cingapura, Japão e Finlândia. Nesses países, os professores se sentem muito competentes e orgulhosos da profissão. Eles passam muito tempo trabalhando juntos, dividindo boas ideias e práticas, de forma muito natural. No Brasil, a maioria chega para dar aula e sai correndo quando bate o sinal. Não têm tempo para observar uns aos outros. Acredito que a maioria dos professores no Brasil tenta fazer seu melhor, mas, assim como acontece nos EUA, eles estão muito cansados e desanimados com as condições de trabalho. Eles reconhecem que não estão tendo sucesso na sua missão, que não têm a habilidade de ensinar e, o mais perigoso, eles desistem e culpam os alunos.
ÉPOCA: A senhora pôde observar isso no Brasil? Pode dar um exemplo?
Barbara : Eu me lembro de uma professora brasileira cuja aula acompanhei aula em setembro. Era uma escola de periferia, terceira serie. Era uma professora nova. Eles eram estudantes com problemas, estavam atrasados. O problema começa daí. Justamente por estarem atrasados deveriam ter designado a melhor professora da escola, não uma iniciante. De repente, no meio da aula, ela se dirigiu até mim e disse, na frente das crianças: “Esses meninos estão muito atrasados e nunca terão condições de aprender o que falta.” Isso é intolerável. São sempre os estudantes pobres que sofrem mais, porque eles são os mais difíceis de ensinar. Se não tivermos professores que realmente acreditam neles e são treinados para ensina-los, então ficarão mesmo para trás.
ÉPOCA: E incentivos monetários?
Barbara : É uma motivação muito importante. Os salários precisam ser melhores. Mas, o mais importante, é que eles precisam ser de acordo com o desempenho de cada um. Temos muitos dados, muitas pesquisas do mundo inteiro mostrando que não dá certo, como incentivo, aumentar o salário igual para todo mundo. Ganha mais quem é melhor. É por aí que os jovens talentosos serão atraídos. Eles olham para a carreira do professor e percebem que podem ter uma vida confortável e um trabalho satisfatório. A Inglaterra fez isso. Washington DC fez isso, na reforma iniciada há cinco anos. Hoje, temos jovens que querem ser professores e não pensavam nisso cinco anos atrás.
ÉPOCA: Há uma forte discussão nos EUA e em outros países sobre a estabilidade de emprego dos professores. Ela dificultaria o sistema a se livrar dos professores ruins. O que a senhora acha?
Barbara : É preciso demitir quem não tem bom desempenho. Todos os professores, sem exceção, precisam de retorno, de apoio, de condições adequadas de trabalho para melhorar e se desenvolverem. Ser professor não é tarefa fácil.O interessante é que nos EUA e na América Latina estão passando leis que dizem o seguinte: os professores precisam ser avaliados periodicamente, ter a oportunidade de melhorar, mas se isso não acontecer, eles podem ser demitidos. Chile, Colômbia e México estão nesse caminho. Boa parte dos distritos americanos também. Isso afeta a atratividade da carreira. Manter os professores ruins e tratá-los como os bons espanta os jovens talentos.