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domingo, novembro 16, 2014

Como atrair talentos para a sala de aula?

Barbara Bruns: "O Brasil não atrai talentos para a carreira de professor"

Economista-chefe do Banco Mundial diz que a baixa qualidade dos docentes impede avanços na qualidade da educação do país

Fonte:  Época

CAMILA GUIMARÃES

A baixa qualidade do professor na América Latina é a principal limitação para o avanço da educação nos países da região, incluindo o Brasil. A qualidade dos docentes é comprometida por um fraco domínio do conteúdo acadêmico e por falta de habilidade na prática de sala de aula. Essa é uma das principais conclusões do estudo Professores Excelentes: Como Melhorar a Aprendizagem dos Estudantes da América Latina e do Caribe, do Banco Mundial, que será lançado em livro, em português, no final de novembro (um resumo do estudo pode ser lido aqui). “Nenhum corpo docente da região pode ser considerado de nível global”, afirma Barbara Bruns,  economista-chefe da área de educação do Banco Mundial, responsável pelas pesquisas sobre qualidade da educação na América Latina e Caribe.“Mas alguns países, como o Chile e a Colômbia, estão fazendo mudanças significativas.” Sobre o Brasil, Barbara afirma que é urgente achar formas de melhorar a qualidade da formação de novos professores e de medir o desempenho dos que já estão na ativa. Só assim o país conseguira dar um salto na qualidade da educação.

ÉPOCA: Até que ponto a qualidade do professor impacta o desempenho dos alunos?
Barbara Bruns: Muitas pesquisas educacionais mostram que o aprendizado – as notas dos alunos, seu sucesso na trajetória escolar e depois na faculdade – está muito ligado à condição socioeconômica da família. Essas pesquisas eram valiosas porque foram feitas em uma época em que tínhamos pouca capacidade de medir o que acontecia dentro da escola. Agora, nós temos muitos dados que analisam o desempenho do professor na sala de aula e descobrimos que o impacto do professor é muito maior do que poderíamos imaginar. Pesquisas atuais e reconhecidas nos permitem saber que alunos com o mesmo nível socioeconômico podem aprender mais ou menos, de acordo com o professor.
ÉPOCA: Em que os professores do Brasil precisam melhorar?

Barbara : Em basicamente três pontos. O primeiro, atrair para as faculdades de pedagogia mais alunos que sejam talentosos e tenham grande capacidade de ser professores. O Brasil, assim como outros países da América Latina, não atrai os melhores e mais brilhantes alunos do ensino médio. Estes procuram outras carreiras, outras profissões. Uma das coisas que o Brasil precisa fazer é achar um jeito de atrair esses cérebros e transformá-los em professores. O segundo é melhorar a qualidade dos professores que já estão trabalhando. Qualquer que seja a medida ou política que o governo adote para melhorar a atratividade da carreira, ela terá resultado no longo prazo. Todos os países que investiram para atrair novos talentos também tinham estratégias para melhorar a qualidade de quem já estava no sistema. Isso é um desafio, porque, assim como em outros países, o Brasil gasta muito dinheiro em cursos de capacitação de professores sem efeito.
ÉPOCA: Que tipo de habilidades têm de ser estimuladas?

Barbara : As essenciais: como fazer boa gestão da sala de aula, do tempo da aula, se comunicar com clareza com os alunos, preparar lições e provas. Visitei inúmeras salas de aula no Brasil inteiro, observando alunos e professores. Na maioria das classes, pelo menos 30% dos alunos não prestavam atenção na aula. O Brasil precisa medir a qualidade dos professores. Sabemos que para entrar na rede pública muitos passam por concursos, mas muitos não têm qualificação mínima, apesar dos títulos. O Brasil precisa saber o que de fato sabem seus professores, para poder ajuda-los a melhorar de forma eficiente. O Chile criou uma prova de avaliação de conhecimento para os alunos que estão se formando em pedagogia, prestes a assumir uma sala de aula. Descobriu que 8% deles não tinha o conhecimento esperado para isso.
Barbara Bruns: os alunos mais pobres precisam dos melhores professores (Foto: Foto/ Divulgação)
ÉPOCA: E o terceiro ponto?

Barbara :  Incentivo. O Brasil precisa de professores mais motivados. Isso depende de uma boa supervisão de diretores, que entendam seus professores e os ajudem no que for preciso. São poucos os diretores brasileiros que fazem isso sistematicamente. Depende também de passar mais responsabilidade para esse professor. Um profissional se sente valorizado quando responsabilidades e é cobrado pelo seu trabalho. Essa é uma das maiores diferenças entre os sistemas do Brasil e de potencias educacionais como Cingapura, Japão e Finlândia. Nesses países, os professores se sentem muito competentes e orgulhosos da profissão. Eles passam muito tempo trabalhando juntos, dividindo boas ideias e práticas, de forma muito natural.  No Brasil, a maioria chega para dar aula e sai correndo quando bate o sinal. Não têm tempo para observar uns aos outros. Acredito que a maioria dos professores no Brasil tenta fazer seu melhor, mas, assim como acontece nos EUA, eles estão muito cansados e desanimados com as condições de trabalho. Eles reconhecem que não estão tendo sucesso na sua missão, que não têm a habilidade de ensinar e, o mais perigoso, eles desistem e culpam os alunos.
ÉPOCA: A senhora pôde observar isso no Brasil? Pode dar um exemplo?

Barbara : Eu me lembro de uma professora brasileira cuja aula acompanhei aula em setembro. Era uma escola de periferia, terceira serie. Era uma professora nova. Eles eram estudantes com problemas, estavam atrasados. O problema começa daí. Justamente por estarem atrasados deveriam ter designado a melhor professora da escola, não uma iniciante. De repente, no meio da aula, ela se dirigiu até mim e disse, na frente das crianças: “Esses meninos estão muito atrasados e nunca terão condições de aprender o que falta.”  Isso é intolerável. São sempre os estudantes pobres que sofrem mais, porque eles são os mais difíceis de ensinar. Se não tivermos professores que realmente acreditam neles e são treinados para ensina-los, então ficarão mesmo para trás.
ÉPOCA: E incentivos monetários?

Barbara : É uma motivação muito importante. Os salários precisam ser melhores. Mas, o mais importante, é que eles precisam ser de acordo com o desempenho de cada um. Temos muitos dados, muitas pesquisas do mundo inteiro mostrando que não dá certo, como incentivo, aumentar o salário igual para todo mundo. Ganha mais quem é melhor. É por aí que os jovens talentosos serão atraídos. Eles olham para a carreira do professor e percebem que podem ter uma vida confortável e um trabalho satisfatório. A Inglaterra fez isso. Washington DC fez isso, na reforma iniciada há cinco anos. Hoje, temos jovens que querem ser professores e não pensavam nisso cinco anos atrás.
ÉPOCA: Há uma forte discussão nos EUA e em outros países sobre a estabilidade de emprego dos professores. Ela dificultaria o sistema a se livrar dos professores ruins. O que a senhora acha?

Barbara : É preciso demitir quem não tem bom desempenho. Todos os professores, sem exceção, precisam de retorno, de apoio, de condições adequadas de trabalho para melhorar e se desenvolverem. Ser professor não é tarefa fácil.O interessante  é que nos EUA e na América Latina estão passando leis que dizem o seguinte: os professores precisam ser avaliados periodicamente, ter a oportunidade de melhorar, mas se isso não acontecer,  eles podem ser demitidos. Chile, Colômbia e México estão nesse caminho. Boa parte dos distritos americanos também. Isso afeta a atratividade da carreira. Manter os professores ruins e tratá-los como os bons espanta os jovens talentos.