Por Jean Wyllys
Fonte: página do facebook
Os sentidos da operação
"lava-jato": devolve, Gilmar!
[Uma leitura - um pouco longa para os padrões do Facebook, mas curta para os
padrões dos jornais - para que quer ir além]
A operação
"lava-jato" poderia ser uma oportunidade excepcional, dessas que quase
nunca ocorrem, para discutir seriamente o problema da corrupção no Brasil e a
forma com que ela prejudica a democracia. Pela primeira vez, as principais
empreiteiras estão sendo investigadas e 21 executivos foram presos pela Polícia
Federal, entre eles os presidentes de algumas delas. Não estamos falando de
quaisquer empresas, mas daquelas que realizam as mais importantes obras
públicas, financiadas pelos governos federal, estaduais e municipais de
diferentes partidos, e que, ao mesmo tempo, são as principais financiadoras das
campanhas eleitorais que elegeram esses governantes. Os grandes esquemas de
corrupção - que sempre são apresentados pela cobertura jornalística, de forma
falaz, como se fossem apenas uma espécie de degeneração moral de determinadas pessoas
- geralmente associada ao partido que está no governo, revelam-se no caso da
“lava-jato” como o que realmente são: um componente fundamental de um sistema
econômico e político controlado não por funcionários corruptos, mas pelas
empresas corruptoras.
Repassemos alguns dados.
As empreiteiras
investigadas são nove: OAS, UTC, Queiroz Galvão, Odebrecht, Camargo Corrêa,
Iesa, Galvão Engenharia, Mendes Junior e Engevix. Juntas, elas têm contratos
com a Petrobrás de 59 bilhões de reais. Só no Rio de Janeiro, três dessas
empreiteiras (OAS, Camargo Corrêa e Odebrecht) participam, associadas em
diferentes consórcios, das dez maiores obras da Copa do Mundo e as Olimpíadas
(linha 4 do metrô, Maracanã, Parque Olímpico, Transcarioca, Transolímpica,
Porto Maravilha, etc.) por um valor total de 30 bilhões. Elas têm contratos com
governos de quase todas as cores. Várias delas também participam da
privatização dos aeroportos e das obras do PAC, do governo federal, mas também
das obras do metrô de São Paulo, envolvidos num caso de corrupção pelo qual é
investigado o governador Geraldo Alckmin, que também recebeu dinheiro de
empreiteiras para sua campanha.
Com negócios diversificados
e participação em diferentes escândalos de corrupção, a lista das empreiteiras
mais importantes do país é liderada pela Odebrecht que, segundo o ranking da
revista "O empreiteiro", tem um faturamento de 5.292 bilhões de
reais. Você sabe quanto dinheiro "doou" essa empresa para diferentes
partidos e candidatos nas últimas eleições? Mais de 30 milhões de reais! A
Odebrecht doou para todos os seguintes partidos: PSDB, PT, PSB, PMBD, PP, DEM,
PCdoB, PV, Solidariedade, PROS, PRB, PSD, PPS, PSC, PCdoB, PTC e PSL. Eles
doaram 2,95 milhões para a campanha da Dilma, 2 milhões para a campanha do
Aécio e 500 mil para a campanha de Eduardo Campos (depois somou quase 50 mil a
mais para a campanha da Marina), mas também para candidatos a governador e
deputado e para os comitês financeiros e as direções nacional e estaduais de
diferentes partidos.
De todos os partidos que
elegeram representantes para o Congresso Nacional, o único que não recebeu
dinheiro de nenhuma das empreiteiras investigadas (aliás, de nenhuma
empreiteira!) foi o PSOL. Sim, foi o único!
A segunda maior empreiteira
do ranking, com um faturamento de 5.264 bilhões, é a Camargo Corrêa, que doou,
por exemplo, 1,5 mi para o DEM. A empreiteira Queiroz Galvão fez doações de
campanha por mais de 50 milhões, beneficiando candidatos de 15 partidos, entre
os quais o PT, o PSDB, o PMDB, o DEM e o PSB. Também doaram 200 mil reais para
a campanha do nanico pastor Everaldo. Outra campeã das doações foi a OAS, com
uma generosidade política de mais de 52 milhões que beneficiou Aécio, Dilma
Marina e candidatos de 12 partidos. A UTC fez doações de 34 milhões e também
foi ampla na distribuição, beneficiando a 11 partidos, entre os quais estavam
os mais importantes da situação e da oposição. E por aí vai. Todas elas estão
envolvidas na investigação da Polícia Federal.
Alguns candidatos não
recebem dinheiro de uma determinada empresa de forma direta, mas essa empresa
doa para o comitê do partido, ou para sua direção nacional ou estadual, que por
sua vez faz uma doação ao candidato. Ou então a empresa pode doar para um
candidato a deputado, que depois faz uma doação para o candidato a presidente,
ou vice-versa. Algumas empresas têm diferentes denominações, cada uma com um
CNPJ distinto. Mas a quantidade de dinheiro que sai da União, dos Estados e
municípios e vai para as empreiteiras mediante contratos para obras públicas, e
que sai das empreiteiras e vai para os candidatos e seus partidos, é imensa. E
essa promiscuidade entre política e mundo dos negócios produz enormes prejuízos
para a democracia.
O problema não é apenas a
corrupção direta, a propina e a lavagem de dinheiro. É também o poder que essas
empresas têm para desbalancear o sistema democrático, apoiando determinados
candidatos e candidatas com quantias absurdas de dinheiro que fazem com que os
e as concorrentes de outros partidos tenham pouquíssimas chances de vencer, a
não ser que entrem no esquema.
Nas últimas eleições, 326
parlamentares tiveram suas campanhas financiadas por empreiteiras (nenhum do
PSOL!). E, entre eles, 255 receberam dinheiro das envolvidas na operação
"lava-jato". Façamos as contas. Os candidatos das empreiteiras são
maioria no Congresso! Dentre eles, 70 deputados e 9 senadores são citados nas
investigações. E há governistas e opositores — inclusive petistas e tucanos
(mas alguns jornais e revistas citam apenas os petistas).
O financiamento empresarial
das campanhas favorece esse esquema e prejudica os que não querem fazer parte
dele. Eu fui o sétimo deputado federal mais votado do estado do Rio de Janeiro,
com 144.770 votos, e a receita total da minha campanha foi de 70, 892.08 mil
reais em doações físicas, sendo que, destes, 14 mil correspondem a trabalhos de
voluntários. Não recebi (e nem quero!) um centavo das empreiteiras.
Agora vou dar um exemplo
contrário: deputado Eduardo Cunha, que teve 232.708 votos e foi o terceiro mais
votado do estado, declarou uma receita de mais de 6,8 milhões de reais! Sim,
você leu bem: quase 7 milhões. Os diretórios nacional e estadual do PMDB, seu
partido, que também doou dinheiro para ele, receberam "ajuda" da OAS
(3,3 milhões), da Queiroz Galvão (16 milhões), da Galvão Engenharia (340 mil) e
da Odebrecht (8 milhões). O PMDB governa o estado que dá a algumas dessas
empreiteiras obras públicas milionárias. Isso sem falar dos bancos, empresas de
mineração, shoppings e outros empreendimentos que depositaram na conta de
Cunha.
Vocês percebem como o é
injusto e antidemocrático que um candidato honesto, que conta apenas com
doações de amigos, militantes e simpatizantes, contra outro que recebe quase 7
milhões de bancos e empreiteiras? Vocês percebem como isso faz com que nosso
poder, eleitor, seja cada vez menor, e com que o poder da grana se imponha cada
vez mais?
Agora pense no seguinte:
Eduardo Cunha pode ser o próximo presidente da Câmara dos Deputados! Ele é um
dos cérebros da bancada fundamentalista, foi o grande articulador da
presidência da CDHM para o pastor Marco Feliciano e é o porta-voz do que há de
mais reacionário, retrógrado, conservador e antipopular no Congresso. Algumas
pessoas acham que o grande vilão da direita é Jair Bolsonaro, mas na verdade, ele
é apenas um personagem caricato, bizarro, que tem mais holofotes do que merece.
O verdadeiro poder radica em personagens menos conhecidos, como Cunha, que se
mexem nas sombras. E as doações milionárias entram na conta dele.
Mas eu comecei dizendo que
tudo o que está acontecendo em torno da operação lava-jato poderia ser uma
oportunidade excepcional para discutir seriamente o problema da corrupção no
Brasil e a forma com que ela prejudica a democracia. Poderia ser, mas não está
sendo. A maioria da imprensa e alguns líderes da oposição com espaço na mídia
estão tentando passar a impressão de que se trata, apenas, de um novo
"escândalo de corrupção do PT". Delegados e fontes do judiciário
ligadas a partidos de direita vazam de forma seletiva informações que envolvem
apenas os corruptos petistas, mas escondem as que poderiam prejudicar os
corruptos tucanos ou de outros partidos. Tudo passa a ser “culpa da Dilma, do
Lula e dos petralhas". E o PSDB e seus aliados da direita tentam se
apropriar da operação e se apresentar como os paladinos da moral e da
honestidade que querem nos livrar dessas mazelas. Hipócritas!
É claro a corrupção na
Petrobrás durante os governos petistas que tem que ser investigada — mas também
durante os governos tucanos e os governos anteriores aos tucanos! É claro que
temos que investigar todos os funcionários e parlamentares envolvidos nos
esquemas, seja do partido que forem. O PT e seus aliados têm uma enorme
responsabilidade nisso tudo. Mas enquanto pensarmos na corrupção apenas como
uma sucessão de casos particulares e olharmos para ela apenas como um problema
moral seremos como aquele personagem da publicidade "Sabe de nada,
inocente!". O escândalo está sendo instrumentalizado por uma parte da
imprensa não apenas para atacar o governo, mas também para colocar a Petrobrás
no alvo de discursos privatizadores! Ou seja, a questão é muito mais complexa!
Por isso, e se realmente
quisermos fazer algo que tenha impacto real contra a corrupção, o primeiro
passo é acabar com o financiamento empresarial de campanha. A OAB apresentou no
Supremo Tribunal Federal uma ADIN (ação direta de inconstitucionalidade) para
proibi-lo, e tem todo o apoio do PSOL. Seis dos onze ministros já votaram
favoravelmente, mas o ministro Gilmar Mendes, Advogado Geral da União durante a
presidência de Fernando Henrique Cardoso, pediu vistas do processo em abril
desse ano e, desde então, nada fez a respeito. Diversos movimentos sociais e
políticos lançaram a campanha #devolvegilmar, para que o ministro conclua suas
vistas e permita que ela seja julgada. O fim do financiamento empresarial de
campanhas deveria ser, também, um dos principais eixos da reforma política que
o Brasil precisa. Porque com um Congresso cujos integrantes foram financiados
pelas principais empreiteiras envolvidas nesses esquemas, não haverá "CPI
das empreiteiras", da mesma forma que não avançará a CPI da Petrobrás.
Tudo será tratado como mais um escândalo.
Se quisermos que a
corrupção deixe de ser, apenas, o tema favorito das manchetes de jornal, e
passe a ser combatida de forma realista e eficaz, sem hipocrisia, precisamos
produzir reformas estruturais no sistema político e econômico e não apenas
fazer julgamentos morais partidarizados. Precisamos cortar um dos principais
rios de dinheiro que corrompe a política e, ao mesmo tempo, diminui o poder dos
eleitores, transformando os governos e o Congresso em reféns dos interesses de
um pequeno grupo de empresários com negócios bilionários.
Devolve, Gilmar! Vamos
falar sério dessa vez!